O dia da infâmia



 Marcelo Guimarães Lima

Por uma série de circunstâncias, entre elas um péssimo serviço de internete (precisamos falar sobre a internete no Brasil...) não assisti (devo ter sido o único...) à espúria votação no congresso do espúrio processo de anulação das eleições de 2014 e cassação dos votos da maioria. 

Um verdadeiro sindicato de ladrões se apoderou do processo político e quer para si, sem entraves, o Tesouro Nacional. Os representantes "públicos" da nossa barbárie multissecular oferecem um espetáculo grotesco e nauseante de destruição pública, explícita e desavergonhada da jovem (e sempre precária) democracia brasileira. Auxiliados por um sistema judicial-policialesco que tem no seu ápice anões morais, gente pequena e apequenada, "doutas ignorâncias" e vaidosos inverossímeis, reacionários raivosos, pomposas e auto-satisfeitas nulidades, covardes e acovardados, e tem na sua base agentes de potência externa, capitães do mato para os quais as leis do país são mero empecilho e podem ser substituídas no ato pelo arbítrio autoritário habitual, corolário da violência "milenar" e costumeira que estrutura as relações de classe no país. Todos eles, corruptos e corruptores, “legitimados” em seus malfeitos por uma imprensa venal, antipopular e antinacional que nos foi “generosamente” legada pela ditadura militar e cuidadosamente conservada tendo em vista sua óbvia utilidade aos atuais herdeiros da ditadura.

Aos que abrigavam ainda dúvidas a respeito, um tal espetáculo obsceno e escandaloso escancara de forma irrefutável e irreversível a fratura essencial que preside os destinos da nação brasileira na sua história moderna, a “dualidade” estrutural entre o país “de todos”, uma nação como destino e projeto histórico (com todas as suas promessas e contradições), e a “reserva extrativista” chamada Brasil, de usufruto exclusivo dos capitães hereditários de fato e de “direito divino” e sua corte de parvenus, malandros, representantes, “funcionários”, negocistas, exploradores, entreguistas, monopolistas, empreendedores com capitais alheios, riscos alheios e lucros próprios, profissionais da “coisa pública”, hagiógrafos, patrulheiros ideológicos, etc., etc. 

O fim das ilusões é o começo da sabedoria, nos afirma a “filosofia perene”, ao menos a dos que acreditam na inteligência e na razão. A ilusão desfeita é a de que o país pode ainda, mais uma vez, por conveniência ou inércia, conviver com os herdeiros e o legado da ditadura militar “sem mais aquela...”, herança maldita hoje atualizada, “recondicionada” na crise do capitalismo mundial. 

“Viver de ilusão” é também parte da condição humana, ou seja, o combate contra as limitações da nossa compreensão e imaginação é perene, recorrente, interminável. E se é parte da condição humana em geral, ela afeta igualmente gregos e troianos em suas posições respectivas e seus embates. 

Assim, não nos iludamos: a vitória pontual dos Cunhas, Temers, do Partido da Imprensa Golpista e da CIA hoje é mais do que parcial, é momentânea e precária. Como arautos e impulsionadores do caos, estão hoje, malgrado a vasta experiência golpista da Rede Globo e da direita brasileira, muito longe de poder dominar e simplesmente administrar o processo destrutivo que desencadearam, o qual, ao final das contas, corre o enorme risco de se revelar, como na fábula do escorpião, como processo suicida. 

Eduardo Cunha, como seus associados e seus manipuladores, sofre da compulsão do jogador viciado: o risco crescente, ao alimentar a sensação de onipotência, afasta a angústia crônica do não-sentido vital dos que assumen a mentira e o des-valor como “norma”. O resultado final é sempre desastroso. 

Para os antigos gregos não havia maior pecado que a desmesura e a hubris, o despudor, a audácia da arrogância. Diziam os gregos: os deuses primeiro elevam, no delírio e na desmesura, aqueles que eles querem destruir. 

As chamadas “instituições” em processo  de suicídio moral, mostram na presente crise toda a sua fragilidade. Como o sistema legislativo, o sistema judiciário, as polícias, as forças armadas, a imprensa, podem conviver pacificamente, convenientemente com ladrões, sonegadores e criminosos. Não podem conviver com a vontade popular. São, portanto, parte do problema cuja solução virá da mobilização popular. Isto a sanha da direita golpista deixou claro como água da fonte. Podemos agradecer.

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