As elites agressivas

Marcelo Guimarães Lima






"Cada avanço de políticas progressistas nos Estados Unidos, é seguido por uma reação racista. Assim faz sentido se Donald Trump se tornar o próximo presidente. Até 2043, quando a América terá uma população majoritariamente formada por não-brancos, a verdadeira revolução política não virá."

Steven Thrasher no The Guardian ( Londres) - assista ao vídeo


Ao colocar em perspectiva o momento presente do moderno processo histórico dos EUA, onde cada avanço em direitos para as minorias é logo "retribuído" por retrocessos impostos pela classe e grupo racial dominante, a apresentação do jornalista norte-americano, que escreve no jornal inglês The Guardian, nos sugere contextualizar o golpe de estado no Brasil de hoje, já que estamos no mundo contemporâneo como um todo e não apenas como isolados serviçais e/ou sócios menores da potência neoliberal, ao contrário do que acredita e quer a Globo e os golpistas, e que o contexto presente é, lá como cá, de transformações que virão com as mudanças geracionais e de população impondo a seu modo mudanças estruturais no mundo e no país.

Mudanças que virão com maior ou menor custo e sofrimento, já que a humanidade como
um todo, e a nação brasileira especificamente, não irá se suicidar e que as estruturas de poder do capitalismo hoje e suas formas de vida já não mais comportam os desafios do presente e do futuro.

Apesar do monopólio de comunicações da direita no Brasil, capitaneado pela Globo golpista, apesar do peso institucional dos partidos tradicionais da direita, apesar da horrorosa formação reacionária da nossa "classe jurídica", apesar da violência institucionalizada, apesar das estruturas poderosamente exclusionárias da sociedade e do estado no Brasil, a história marcha, o contexto muda, as gerações se sucedem.

Assistimos no golpe em curso, a repetição como que "compulsiva" e mesmo trágico-farsesca do passado, que é a única resposta que a direita oferece para os antigos (que já não são mais o que eram) e os novos problemas que enfrenta a sociedade brasileira.

Assistimos também a resistência que irá crescer e desnudar para a maioria, de modo cada vez mais evidente a natureza nefasta e ditatorial da farsa grotesca e perigosa do golpe cujo sucesso será, deste modo, por demais precário e duvidoso com a aceleração do tempo que a aventura golpista vai provocar.

Um exemplo, entre outros, é do estado de São Paulo, a matriz do golpe: o atual governador aparentemente não tem inteligência suficiente para (e nem assessores que possam) entender que a violência como resposta às reivindicações dos jovens estudantes, conscientes de sua cidadania e seus direitos, apenas irá insuflar novas formas de resistência e lutas. As quase duas décadas de ampliação de direitos básicos no país, por mais contraditório, insuficiente, tímido, etc, que tenha sido o processo, não pode ser simplesmente anulada da noite para o dia, nem mesmo com os esforços patéticos da mídia golpista e seus serviçais: o preço a pagar para tanto é muito alto de fato e a violência, material e simbólica, dos governantes nunca foi na história moderna fator de equilíbrio, apesar do que reza a ideologia das baionetas, bombas de gás, da mídia totalitária e mesmo a prática (no nosso caso, tradicional e muitas vezes centenárias) da violência física e da tortura.

É certo que a classe dominante brasileira é brutal e violenta mas seu poder tem limites e sua capacidade de iniciativa, bem como a sua inteligência da conjuntura, também tem limites. O período neoliberal de Collor a FHC, onde foram geradas as bases da ideologia neofascista promovida pelos golpistas de hoje, não pode simplesmente ser ressuscitado. Uma vez que uma parte considerável dos excluídos e marginalizados no país experimentou, ainda que de modo precário, uma ampliação de direitos básicos, sua consciência se transformou e se transforma, de modo mais ou menos rápido, mais ou menos sistematizado, mais ou menos aparente ou expresso, etc.

Assim, como é certo que não podemos subestimar a capacidade de manipulação, de controle e de repressão do sistema hegemônico global e dos seus subsistemas nacionais, com suas "tradições", sejam "liberais" ou autoritárias, obviamente ou sutilmente repressivas, etc e os sofrimentos impostos à maioria, não devemos igualmente subestimar as mudanças "infraestruturais" que afetam o sistema universal de mercantilização das relações sociais e aquelas que as próprias iniciativas dos "de cima", malgrado as intenções e todo o cálculo, terminam por provocar nos contextos imediatos de ação e nas estruturas de vida.

Aparentemente, o golpe no Brasil hoje tem feição "nova": mediática e jurídica, fazendo, por hora, economia da intervenção militar tradicional. E, no entanto, seus protagonistas são os mesmos grupos sociais, suas instituições e empresas (FIESP, Globo, empresariado paulista, bancos, empresas de comunicação, etc). A mesma ideologia antipopular e antinacional com suas fórmulas sumárias e imbecilizantes: antes o "anticomunismo" genérico, hoje o "anti-lulopetismo" boçal e primário.

Ontem e hoje, interesses de fora se conjugam a grupos internos. Os mesmos tipos e papéis se repetem, como por exemplo, o secretário de segurança do estado de São Paulo, elevado a ministro do (muitas vezes) espúrio e ilegal, na acepção da palavra, (des) governo Temer. O jovem secretário, um advogado, encarna o tipo autoritário e agressivo do repressor decidido, como uma espécie de caricatura do Coronel Erasmo, repressor falastrão, boquirroto e truculento, dos tempos da ditadura civil-militar. O desprezo aos direitos humanos, alardeados pelo novo "ministro" nas suas ultimas declarações públicas, evidência o paradoxo de um advogado que despreza a forma e a substância da lei naquilo em que a legalidade nas democracias oferece expressamente ao cidadão, sem distinção, o direito de manifestar-se politicamente e de proteção contra a força e o arbítrio. O que se ensina hoje nos cursos de direito no país? Cabe a pergunta.

O escandaloso, arbitrário e ilegal, processo de impedimento da presidente eleita revela a completa fragilidade das chamadas "instituições" da democracia. Democracia que em pleno século XXI é ainda uma espécie de planta "exótica" em solo nacional, quando não, como no passado, mero flatus vocis, mero nome, ao prazer das ocasiões e do cinismo oportunista das chamadas "elites" locais. Os interesses escusos de vários, aliados à covardia de outro tanto nas instituições da república, a indiferença de muitos que pagarão do bolso e com lágrimas o obscurantismo programático da oposição golpista, oferecem um espetáculo desolador do poder destrutivo da corrupção, da ganância e da violência na vida nacional.

Por outro lado, a resistência dos jovens estudantes, dos militantes, jornalistas profissionais, intelectuais, movimentos sociais e a classe operária organizada, nos mostram um outro Brasil, que não cabe mais em Brasília, não cabe nas narrativas selecionadas da televisão e da imprensa monopolizada, e não cabe mais no passado do país que os golpistas querem preservar e atualizar. Para estes, o novo tempo será inclemente.



Comments

postagens + vistas