A biruta de aeroporto e a tempestade no horizonte.
Marcelo Guimarães
Lima
O jornalista Paulo
Moreira Leite escreve sobre as idas e vindas do sr Fernando
Henrique Cardoso, o ex-presidente que se tornou, junto com seu
partido, avalista do Golpe de 2016. Tal qual "biruta de
aeroporto" (expressão que Dilma Rousseff consagrou na hoje
distante era da democracia brasileira contra seu adversário do PSDB:
o então “presidenciável”, hoje golpista, José Serra) o sr FHC
diz "n'importe quoi"
(expressão francesa que significa: "qualquer coisa"),
afirma isso e aquilo e se desdiz no próximo minuto.
Aparentemente, a
mais recente declaração do ex-presidente do “consenso de
Washington” e do neoliberalismo caboclo (a regressão neocolonial
envernizada pela mídia e os ideólogos de sempre e vendida como
modernização) pede a renúncia do falso presidente, o golpista
Michel Temer. E isso, logo após a declaração de seu partido de
apoio ao golpe e ao golpista Temer. Sem dúvida, como observou o sr
FHC, e igualmente o jornalista Paulo Moreira Leite, vivemos uma
situação de crise geral no país na qual as incertezas se acumulam
e se desdobram em mais incertezas em um tempo acelerado.
Como observa Paulo
Moreira Leite, é possível pensar que FHC (tal qual discípulo do
mestre Chacrinha, o antigo “comandante da massa”, segundo a
canção de Gilberto Gil) veio para confundir, faz da confusão seu
“método” e sua meta de intervenção na conjuntura com
declarações públicas solicitadas ou não, oficiais ou oficiosas,
sobre a situação atual e o que fazer e esperar nela. E no entanto,
ao desdizer o próprio partido, o sr FHC mostra o grande impasse do
golpe iniciado pelo sr Aécio Neves em conluio com o PMDB, a mídia,
o judiciário e os demais partidos da direita. O que poderia ser
interpretado, segundo o jornalista, como um início de reavaliação
da estratégia da via golpista ao poder do neoliberalismo
peéssedebista, partido e programa derrotados seguidamente nas
urnas pelo moderadíssimo e popular PT. Neste sentido, antes de
avaliar com alguma seriedade o que diz hoje o sr FHC, seria prudente
esperar a próxima mudança dos ventos locais (1), por mais modesta
que seja, e ver onde aponta a biruta do partido de Aécio Neves e de
José Serra.
No momento atual em
que um (des)governo espúrio se sustenta no frágil equilíbrio das
disputas internas das forças golpistas e no temor do clamor popular
antigolpe, se evidencia a profunda incompetência dos golpistas em
administrar o caos que eles próprios promoveram.
Neste momento em que
as contradições e disputas entre as facções golpistas recrudesce,
o crescimento das manifestações de rua, dos movimentos populares e
das lutas dos trabalhadores, da juventude, estudantes, intelectuais,
negros, indígenas, trabalhadores rurais, e mesmo dos que tardiamente
se dão conta da gravidade da crise e do golpe contra o país, contra
a economia nacional, contra a população em geral (incluindo a nossa
sempre desorientada classe média), o desenvolvimento da luta
antigolpe, mesmo com seus vários percalços e dificuldades, ganha
alcance e impõe efeitos na conjuntura apesar da manipulação
midiática, da censura, da repressão judicial e policial, e apesar
da enorme farsa legislativa que promovem os partidos golpistas e seus
políticos. Alheios ao país real, os políticos golpistas agem como
se habitassem uma outra dimensão da realidade, outro mundo ou outro
universo.
Tentando acelerar as
malfadadas “reformas” (retirada de direitos e destruição de
garantias legais) como se não houvesse amanhã, como se o país
tivesse desistido de uma vez por todas da sua história e da sua
identidade coletiva, um congresso de golpistas, correndo contra o
tempo, tenta consolidar a nova ditadura, que no momento prescinde da
iniciativa militar, mas não prescinde da aparente “passividade”
com que a instituição que supostamente deveria velar pela soberania
nacional e portanto pela soberania popular, a democracia, parece
“observar” a crise de algum pedestal distante, premiando com
medalhas políticos corruptos, juízes conservadores e mesmo um ator
pornográfico e celebridades da televisão. Aqui, o escárnio se soma
ao desprezo pelo país e pelo povo.
Por iniciativa da
tosca, inculta, incivilizada, violenta e brutal direita brasileira, a
guerra civil latente na sociedade capitalista periférica aqui se
aproxima, mais e mais, de uma eclosão de largo alcance que não
deveria interessar negociantes e representantes políticos,
burocratas e servidores do estado, entre outros, pois o risco de
perder suas vantagens e seus privilégios atuais em uma situação de
conflito manifesto é grande, maior talvez que a possibilidade de
ampliar seus ganhos (2). A crença na ampliação imediata de seus
lucros pela via autoritária “tradicional”, superficialmente
maquiada de “legalidade” no século XXI, motivou a classe
dominante brasileira, seus aliados e serviçais, a promover o golpe
de estado. Acreditou e ainda acredita na via golpista para realizar
seus interesses imediatos. Seja como for, a aposta é demasiado
arriscada, mesmo para os “eternos” donos do Brasil, os mandantes
e beneficiários dos inúmeros golpes na história moderna da nação
e na brevíssima história da restrita e frágil democracia
brasileira.
Hans Magnus
Enzensberger em textos dos anos 90 (3) contrastava a guerra entre
estados, que fortalece o poder estatal interno, com a guerra civil
que pode significar, e de fato significa na maioria das vezes, o
colapso da organização central e a desagregação das forças
combatentes em milícias que se autodestroem e destroem tudo mais em
volta. A completa irresponsabilidade de partidos e políticos
golpistas e corruptos, da mídia monopolizada e seus parajornalistas,
de juízes de limitada capacidade intelectual e moral, de policiais e
procuradores fantasiados de justiceiros de gibi, lançou o país numa
trágica aventura sem volta.
O próprio dos
processos históricos de ruptura, locais e globais, é a capacidade
de anular as categorias usuais, desfazer os hábitos e comportamentos
comuns, de produzir e revelar o inesperado malgré nous, malgré
soi. E, neste sentido o que se pode dizer com alguma certeza
é que não haverá retorno ao status quo ante:
a direita, malgrado o sr FHC e suas idas e vindas, queima seus
navios e destrói dia após dia a sua própria pinguela. Dizer que
não há caminho de volta na crise, por um lado é dizer muito pouco
do que nos interessa a todos que vivemos a crise cotidianamente. Por
outro, é já dizer o suficiente, ou mesmo dizer demasiado.
(1) No site
Brasil247
hoje:
“ Post na
página do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso trazia a hashtag
#voltafhc; registro foi feito pela coluna Painel; questionado, Xico
Graziano, que cuida das redes sociais de FHC, excluiu o post e
afirmou que foi um erro de sua equipe”
16/06/2017
(2)
ver o nosso artigo UMA (PROVÁVEL) ANALOGIA HISTÓRICA - maio,2016 aqui
(3)
Hans Magnus Enzensberg- Guerra Civil, Cia. Das Letras, S. Paulo, 1995
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